Ercília Maria Braga de Olinda, 49, sempre foi católica. Mas, o envolvimento na militância de partidos políticos e no movimento estudantil deixou a professora universitária longe das questões espirituais. “Achava que religião era uma coisa que mais atrapalhava do que ajudava no crescimento de alguém”. Aos 26 anos, quando já era mãe de um filho e esposa, sofreu um aborto espontâneo e precisou fazer uma curetagem. Após a cirurgia, na sala de recuperação, a mudança começou.
“Eu senti nitidamente a sensação de sair do corpo e me lançar. Não era caminhada. Eu era lançada por um túnel imenso, que eu não tinha ideia de onde ia dar. À medida que eu era lançada nesse túnel, a luz ia ficando muito intensa”, relembra. No começo, a professora conta que sentiu medo. Depois, uma sensação de leveza e paz tomou conta dela. “Percebi que alguém conversou comigo. Eu não consigo me lembrar o quê. Depois, eu voltei”.
A partir da experiência, Ercília conta que ficou com uma sensação muito forte de mudança. “Eu era o tipo de pessoa muito impulsiva, dominadora, competitiva. Aí eu comecei a repensar esses valores”. Chegou inclusive a seguir a doutrina espírita. “A gente passa a ter uma outra perspectiva, passa a olhar a vida sob outro ângulo”.
Conforme a médica Eliane Oliveira, professora da disciplina de Medicina e Espiritualidade da faculdade de Medicina da UFC, mudanças são comuns para quem passa pela experiência de quase-morte. “Algumas pessoas voltam com uma percepção sensorial mais aguçada. Outras passam a ser mais criativas”. Para Oliveira, não é necessário ter o risco de morte, como no caso de Ercília. Conforme ela explica, a professora universitária passou por uma experiência de quase-morte símile, que ocorre de forma espontânea.
Para o médico psicoterapeuta, Cláudio Azevedo, que estuda EQMs, as mudanças acontecem por causa da revisão de vida. “Durante a experiência de quase-morte, passa toda a vida que a pessoa teve aqui, como num flash. Ela compreende tudo o que fez e tudo o que aconteceu. Ela vê claramente quem é ela. E quando essas pessoas voltam isso fica bem claro. Elas já sabem o que tem que fazer”, explica.
Nascer de novo
Após passar 21 dias em coma, por causa de uma complicação na cirurgia de apendicite há sete anos, a enfermeira e fisioterapeuta Graça Frutuoso mudou a forma de tratar os pacientes que passam pela situação de estar a poucos passos da morte. Como diz ter visto e ouvido tudo o que aconteceu na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), ela passou a ter mais cuidado na hora de se comunicar. “Eu ouvi o médico dizendo que eu não passava de hoje”, relembra.
No dia em que teve uma parada respiratória e a vida esteve por um fio, a experiência foi mais intensa. “Eu fui até uma ponte. Na frente tinha um grande mar. De um lado uma montanha e do outro lado um abismo. Cheguei ali e não tinha como continuar nas águas. Aí eu pensei: ‘O que eu estou fazendo aqui?’”.
Como é evangélica, se apegou a Deus e fez três orações pedindo para voltar. “Eu sentia que o lugar era bom, mas eu percebi que tinha que voltar para fazer outras coisas, como colocar Deus em primeiro lugar”. Para Graça, a experiência de quase-morte foi um “milagre”. “Foi como nascer de novo”. (Gabriela Meneses)
SAIBA MAIS
EQM negativa
A maioria das pessoas que passaram por uma experiência de quase-morte relatam sentimentos de prazer, como paz, alegria e felicidade. No entanto, alguns contam experiências angustiantes, com sentimentos de medo, raiva, solidão e culpa.
De acordo com a médica Eliane Oliveira, as EQMs negativas são geralmente relacionadas a pessoas que tentaram suicídio. “Quando a pessoa retorna, ela deixa de tentar e não busca mais a morte, porque entende que há momento para tudo”, explica.
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